Criação do fator previdenciário e imposição de limite de idade dificultam a concessão do benefício e estimulam irregularidades

 O auxílio-doença está substituindo a aposentadoria como renda praticamente vitalícia para muitos trabalhadores brasileiros. Essa é uma das conclusões do estudo Reformas administrativas para minorar o peso fiscal da Previdência Social, elaborado pelo economista Marcelo Caetano, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), ligado ao ministério do planejamento. O estudo foi concluído em setembro e segundo o economista, as dificuldades crescentes para se aposentar — como o fator previdenciário e limite de idade — fizeram com que muitos trabalhadores optassem pelo auxílio-doença como forma de garantir renda. Resultado: o benefício “bombou”.

O número de pagamento do auxílio-doença, segundo o estudo, cresceu 166% de 2000 para maio desse ano, saltando de 492 mil para 1,3 milhão. Dados do ministério da Previdência mostram que, em valores, o auxílio-doença saltou de R$ 3,9 bilhões, em 2001, para R$ 12,9 bilhões, no ano passado. “É um crescimento incompatível, a princípio, para um país que não passou por guerras ou calamidades públicas”, diz Caetano. “O incentivo ao aumento das concessões (do auxílio-doença) ocorreu ao mesmo tempo em que se restringiram as aposentadorias pela Emenda Constitucional (EC) 20/98 e pelo fator previdenciário. O auxílio-doença não tem restrições, criando um incentivo natural para os trabalhadores”, lembra Caetano. De fato, o governo já detectou auxílios-doença que são pagos há mais de 10 anos.

Além da dificuldade de se aposentar imposta pelas novas leis, a fraude foi outra grande incentivadora da complementação de renda por meio de auxílios-doença. O estudo aponta que a admissibilidade de laudos de peritos terceirizados, em um determinado momento, facilitou as irregularidades, já que havia uma falta de compromisso na concessão de atestados. Este ano, o déficit do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), responsável pelo auxílio-doença, deverá situar-se em cerca de R$ 40 bilhões, rombo que será pago pelo Tesouro Nacional. Para sanar o problema, Caetano propõe a criação de critérios objetivos na concessão do auxílio-doença, que estabelecessem “funções entre o tipo de incapacidade e o tempo de duração do benefício”.

O estudo cita exemplos. “Alguém que quebrasse uma perna teria um tempo preestabelecido de licença que independeria do médico responsável. Isso dificultaria a possibilidade de acordos escusos entre o médico perito e o beneficiário, dado que se tornaria mais fácil auditar processos”. Outra solução seria a redução dos valores pagos aos beneficiários. “A fórmula atual, que corresponde a 91% do salário de benefício (média aritmética dos últimos salários recebidos), incentiva o indivíduo a retardar seu retorno ao mercado de trabalho, dado que a renda do trabalho é praticamente a mesma do benefício”, destaca Caetano.

Além da questão do auxílio-doença, o economista aborda outros ralos que estariam minando o INSS, como a aposentadoria rural por tempo de idade. Neste caso, o estudo lembra que as normas de aposentadoria são “bastante flexíveis”, beneficiando o trabalhador. Segundo Caetano, até fichas de cadastro em estabelecimento comercial ou registros em livros de entidades religiosas podem constituir provas suficientes para comprovar tempo de serviço rural e requerer aposentadoria. “Naturalmente, isso abre margem para indivíduos que nunca prestaram atividade rural se habilitarem a receber a aposentadoria”, conclui.

Desafio

A questão previdenciária, maior desafio fiscal do próximo presidente da República, tem despertado o interesse do Ipea.. No artigo Uma agenda macroeconômica para 2007, dos economistas Fábio Giambiagi e Paulo Mansur Levy, o tema volta ao centro do debate. Desta vez, o receituário é mais drástico. Para os economistas, o governo deveria encaminhar ao Congresso, já no início de 2007, uma reforma que contemplasse, entre outras medidas, a desvinculação entre o piso previdênciário e o salário mínimo e estipulasse correção por índice de preços a ser definido em lei. Giambiagi e Levy defendem a adoção, a partir de 2010, do princípio da idade mínima de 55 anos para mulheres e 60 para homens para aposentadorias.

Paulo Paiva

Correio Braziliense