Eu sou a Polícia Federal. Apesar de você nem saber que eu existo, apesar de eu nunca aparecer na mídia, não dar tiros, não usar vestimentas ostensivas, não pilotar viaturas com a sirene ligada em alta velocidade pelas ruas de sua cidade ou não prender meliantes e políticos corruptos, ainda assim, eu sou a Polícia Federal.

Quase sempre as operações cujo desfecho você confortavelmente assiste nos telejornais atingiram seu ponto culminante graças a minha participação. Na verdade, muitas delas sequer existiriam se não fosse por minha intervenção. Também estou nos portos, nos aeroportos e até providencio para que você e sua família possam usufruir aquelas tão sonhadas férias na Disney.

Quando você precisa de nossos serviços, sou eu quem lhe atende gentilmente ao telefone ou atrás de um balcão, oferecendo-lhe meu melhor sorriso, minha grande experiência e conhecimento para lhe auxiliar. Sou o suporte providencial que permite aos Agentes, Escrivães e Delegados viajar, receber suas diárias, seus salários, suas vestimentas e calçados operacionais. Forneço suporte médico e psicológico, monto redes de computadores, viajo por este enorme país antes que as operações ocorram, incógnita, montando estruturas e infraestrutura para que tudo corra bem.

Incontáveis vezes, para possibilitar o sucesso da atividade policial, ultrapasso meu horário de serviço ou minha competência sem qualquer remuneração extra ou reconhecimento. Meu trabalho, invisível e menosprezado, é extremamente abrangente para que os policiais federais possam contar com viaturas equipadas, aeronaves, armas, munição, coldres, radiocomunicadores, botas, enfim, tudo aquilo que possibilita à Polícia Federal se projetar através dos seus elementos humanos.

Na verdade, eu sou o lado obscuro, o primo pobre, aquele que nem mesmo a família quer admitir sua existência. Meu salário é desproporcionalmente menor que os demais salários pagos na Polícia Federal. Não tenho plano de saúde, pois minha remuneração não mais o permite. Minha vida é um risco, já que estou sempre ao lado dos policiais federais em suas atividades, sem nenhuma característica que me diferencie dos mesmos. Também conheço sua estrutura intimamente e, em muitos casos, sou portador de informações confidencias. Tenho um alvo pintado no peito, mas a Polícia Federal acredita que eu não mereço os escudos que protegem meus companheiros.

Mas você não sabe disso, cidadão. Não sabe que dentro desta estrutura tão admirada e confiável, existem aqueles chamados genericamente de “servidores administrativos”, que sempre são preteridos quando da luta por melhorias dentro do órgão. Que não têm direito a um período destinado a cuidar da própria saúde, como todos os integrantes da carreira policial o fazem. Vivo sob intenso estresse, mas não posso me aposentar sob as mesmas regras que meus colegas. Viajo de casa para o trabalho em transporte coletivo, com o risco de ser identificado erroneamente como “polícia” e ser morto em virtude disso. E olha que tenho graduação suficiente para impor respeito profissional a qualquer um. Sou médico, administrador, piloto, psicólogo, engenheiro, técnico em diversas áreas e muito mais. Enfim, eu sou a injustiça que mancha o órgão que promove a justiça. Eu sou o “servidor administrativo”, aquele que tudo faz, porém, ninguém conhece.

Texto do colega Gilmar Leal